A recuperação exigirá grande capacidade de planejamento e de coordenação, bem como execução eficiente. É engenharia complexa que envolverá as máquinas públicas das três esferas.
Na tragédia a emoção tomou conta. Mas não convém deixá-la desviar o olhar objetivo para suas causas e caminho da reconstrução. Apesar dos recordes pluviométricos no Rio Grande do Sul, parece claro que houve falhas na prevenção de desastres.
A Constituição, no Artigo 21, Inciso XVIII, estabelece que “compete à União planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações”.
Ocorrendo a calamidade pública, a Constituição não estabelece a obrigação da União em ações emergenciais, mas seria equivocado não as fazer. Seria penalizar duplamente a população e contrariar os valores de solidariedade da Nação.
Além disso, o Artigo 148 estabelece que a União poderá instituir empréstimos compulsórios para atender as despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública. No caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.
Faltou ação mais incisiva do governo estadual, apresentando plano de ação ao governo federal. Deputados e senadores gaúchos pouco agiram à altura de suas responsabilidades. Dos R$ 2,84 bilhões de emendas individuais e de bancada em 2023 e 2024, apenas R$ 1 milhão foi destinado a estudos, projetos de prevenção e proteção a deslizamentos.
As redes de alerta também não funcionaram. O funcionalismo público, que possui estabilidade e as universidades públicas, que têm autonomia, não apontaram para os riscos de desastres. Não caberia ao cidadão mediano fazer o alerta. Esse é um papel da elite que influencia a política pública.
Um ponto central do desastre é a baixa capacidade de investimento do RS, fruto da ausência de responsabilidade fiscal de muitos governantes, acho inevitável se questionar o papel do Tribunal de Contas nesse histórico.
O raio-X dos indicadores fiscais do RS é dos mais preocupantes, apesar dos importantes esforços e avanços dos últimos anos, inclusive com as reformas da Previdência e administrativa.
O RS apresenta, de longe, a maior proporção de aposentados e pensionistas. São 2,45 para cada funcionário na ativa, o dobro dos demais estados do Sul, segundo a Firjan, o que eleva o impacto da valorização do salário mínimo na Previdência. A despesa com pessoal como proporção da Receita Corrente Líquida (RCL) é a quarta maior entre os Estados.
Os precatórios também são ponto de atenção. O passivo com decisões judiciais é de 33% da RCL, o maior patamar entre os estados. Vale citar que o RS é marcado por elevada litigância, com grande representação no STF, ainda mais quando se pondera pelo tamanho da população, sendo muito superior à de São Paulo.
Ao mesmo tempo, o atual governo enfrenta grande dificuldade para recompor receitas, seja pela redução de renúncias tributárias (R$ 19,2 bilhões em 2022), ou pela elevação da alíquota modal do ICMS, baixa em relação aos demais estados, como foi realizado pela maioria, inclusive para compensar as iniciativas federais de 2022 que prejudicam a receita.
A reconstrução do Estado passa pelo enfrentamento de muitos desses pontos. Boa parcela do esforço financeiro precisará vir do governo estadual. Será necessário aumentar sua capacidade de investimento, bem como de endividamento, possivelmente com o relaxamento de regras pelo Tesouro Nacional.
Será necessária a recomposição da arrecadação e possivelmente com medidas temporárias de aumento da receita, além de modelos compartilhados de investimento com o setor privado.
A reconstrução exigirá grande capacidade de planejamento e de coordenação, bem como execução eficiente. É uma engenharia complexa que envolverá as máquinas públicas das três esferas, muitas vezes sujeita ao risco jurídico, o chamado apagão da caneta, que designa a inação de agentes públicos, por temor de responsabilizações futuras, indiscriminadas por parte dos órgãos de controle.
O Rio Grande do Sul precisará contar com o espírito público e união de todos!
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